segunda-feira, 17 de junho de 2013

Minha vida depois de quinta-feira

 Meus olhos ficaram cheios de lágrimas e logo eu estava chorando ao ver as imagens das manifestações na última quinta-feira. Não era efeito de gás. Era um choro de vergonha. Não dos manifestantes, nem mesmo da polícia. Não tinha vergonha alheia. A vergonha era toda minha.
Meu choro representava os últimos 20 anos da minha vida, de bunda no sofá e muito discurso no papo. Papo mole, papo chato, papo que só fica no papo.

Voei para 92 quando aos 17 anos, presidente do Centro Cívico da minha escola, fui ao Vale do Anhangabaú, de cara pintada. Alguns vão dizer que fomos lá fumar maconha, matar aula, que fomos manipulados, que não fizemos diferença. Pode ser. Mas a diferença foi pra mim. Eu fui.

Me teletransportei para a época do ginásio, onde também fui presidente de Centro Cívico, em que sonhava em seguir carreira política. Lembro até de uma viagem a Câmara Municipal de Santos. Isso trouxe alguma mudança para o país? Nenhuma. Mas alimentou uma vontade enorme em ser líder.

Como uma bala de borracha, que corta e fere, mas não é mortal, voltei a realidade, porque não havia mais nada a lembrar. Os últimos 21 anos da minha vida não tiveram nenhum envolvimento político. Minha única manifestação foi uma dezena de votos anulados.
Sempre disse, e ainda digo, embora com menos convicção, que o voto nulo é um protesto. Mas hoje acrescento, um protesto covarde, um protesto sem colhão, ou peito de fora. Mas é protesto.

Ainda acredito que não há mudança e revoluções sem mártires, sem conflito e sem diálogo. A ordem muda. Até as mudanças filosóficas se deram na base do conflito e muitas vezes na porrada.  Literais ou não. Só que na maioria das vezes quando chega até nós, já chega vestida no manto da paz e do diálogo.

Sempre tem um primeiro, e quase sempre, é o mártir. E morre anônimo. Numa vala do Capão Redondo, talvez.

Não vou ser hipócrita. Não sei qual seria minha reação se tivesse passado pela ditadura, por um Hitler, por uma vida na periferia de Sampa. Sou uma menina mimada, sempre tive tudo. Talvez eu me calasse. Ou talvez eu tivesse tomado o “Cálice”.

Depois de quinta-feira algo  mudou. Virei jovem. Com aquela linda e bela ilusão de mudar o mundo. Num corpo de 38 que já não pode participar de todas as manifestações porque tem filhos para pegar na escola. A linda junção da ilusão com a realidade que nos incomoda. Por isso muitas vezes só vivemos em uma delas, sem incômodo, protegidos pelas grades das loucuras ou das verdades. Junte os dois. Daí sairá a grande revolução.

Peço desculpas, por 20 anos de alienação, de covardia, de papo. Desculpas as pessoas que deram suas vidas, carreiras e sanidade pelo que acreditam. Perdão pelas balas de borrachas, pelas cacetadas, e os gatilhos que puxei com meu silêncio.

Mas ainda tenho 20 anos pela frente. Que começa hoje.


Toda quinta-feira lembrarei do gosto dessa última quinta-feira: lágrimas e sangue.

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